quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Pelo direito de falar


"Você está me analisando?"

Há cinco anos eu adentrava uma sala de aula e dava meus primeiros passos rumo à psicologia. Por cinco anos, me dediquei completamente a uma profissão que me enchia os olhos. Eu sentia orgulho de pensar que, em alguns anos, eu me tornaria um deles. Estudava com afinco todos os livros que me passavam, todos os textos e artigos científicos. Fiz todas as provas e trabalhos visando tornar-me aquela que teria o dom das palavras. Eu lapidei minha mente, treinei meu respeito ao próximo, quebrei milhões de barreiras, tudo isso para olhar para os outros com mais curiosidade, menos julgamento. Eu estreitei minha relação com os amigos e com minha família. No fim da jornada, eu me sentia realmente preparada, pelo menos para começar.

Formada, eu ouvi diversas vezes falas tão chatas ao meu respeito. Eu acredito, de verdade, que muitos profissionais de outras áreas sofrem alguns preconceitos, mas com nós, psicólogos, o buraco é tão embaixo que eu sequer entendo de onde ele possa vir. Ou até entendo, mas prefiro fingir que não o vejo.

Eu já ouvi dentistas falando que em casamentos sempre tem alguém que o aborda para dizer que está com uma dor no dente há meses "o que será que deve ser?", perguntam entre uma drinque e um bem-casado. Já conheci médicos que não revelam suas profissões em uma roda de bar para que não se inicie aquela velha e chata consulta coletiva. Ou até os pobres advogados, sempre recebendo ligações de queridos amigos com dúvidas sobre uma lei ou um processo. Eu entendo essa chatice, mas percebo que todos pecam pelo excesso. Eles confiam em seus cargos e querem que façam hora extra.

Com os psicólogos é diferente.

Percorremos um longo caminho e aprendemos sobre o poder da cura pela palavra. Somos treinados, como em um exército, a apurar nossa escuta e dar um valor absurdo a tudo que é dito. Somos ensinados a interpretar, a nunca entrar em contato com o sofrimento do outro de maneira irresponsável. E o que acontece quando descobrem que somos psicólogos? A censura.

Eu sinto um extremo pudor de alguns em ter uma conversa informal comigo e fazem a célebre pergunta "você está me analisando??" quando emito uma opinião, como se isso fosse um crime. 

SIM. Eu, como psicóloga, provavelmente vou analisar o que você está me dizendo. É isso que eu faço! Foi para isso que eu estudei. Assim como você nunca fará um exercício errado na academia sem que um educador físico o corrija. NÃO. Isso não significa que estou te colocando em uma terapia-forçada-temporária. Isso só significa que minha opinião sobre o que me dirá nunca será preguiçosa. 

No início, me sentia mal por ouvir: "Deus proteja quem namorar uma psicóloga!". É tão ruim assim conversar com alguém que realmente goste dessa atividade? O receio que alguns tem de que eu os analise me parece sintomático e, sim, estou analisando eles agora. 

Não me sinto responsável pela melhora de ninguém, mas se você, meu caro, sentar ao meu lado e quiser conversar, não posso te ouvir despida de quem eu sou ou de quem me tornei. Eu sou uma psicóloga e meu ouvido não é uma peneira: tudo que passa por ele vem no grosso, com mil sequelas, e eu me interesso por todos os detalhes.

Realmente, eu admiro quem se aventura a conviver com uma psicóloga informalmente. De fato, temos resposta para tudo e - normalmente - dominamos a arte da fala e da conversa. Mas você já parou para pensar que pode ser muito interessante conviver conosco? 

Não somos alienígenas nem leitores de mentes! Não temos intenção nenhuma de piorar uma situação ou prolongar uma discussão. Nos deixe falar! Muitas vezes reconhecemos que a melhor opinião é o silêncio. Nós também sabemos calar.

Não quero, com esse texto, atestar nenhum nível de superioridade da classe. Falo por mim, pelas minhas experiências. Não é ruim ter uma namorada psicóloga, ou uma amiga, filha, prima, o escambal! Aproveitem a oportunidade como todos aproveitam de outras profissões por perto. Eu também sei dar opinião informal, também sei ser amiga, namorada, filha e uma ignorante. Eu não sei ser SÓ psicóloga.

"Será que eu sou maluco?" "Você acha que ele é psicopata?" "Ela é bipolar, né?"

Todas essas perguntam só podem ser respondidas com acompanhamento. Todo psicólogo que respeite a profissão sabe que não é possível analisar ninguém pelo depoimento contagiado da mídia, por exemplo, ou após uma simples discrição de um caso na pizzaria. Eu quero poder abrir a boca sem que ninguém me veja do outro lado do divã, com um caderninho, exercendo a caricatura de algo que eu não tenho a pretensão de ser. 

Antes de ser psicóloga, eu sou Isadora. Também tenho opiniões com base no que eu vivi, no que eu experimentei, e não apenas no que li em livros ou exerci em terapia. Então...

"Eu posso falar?"
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